Cartografia:
a multilateralidade no teatro
Gilberto dos Santos Martins
Ator, Professor e Mestrando em Artes-UFU
“Cartografia
como dissolução do ponto de vista do observador”, texto elaborado por Eduardo
Passos e André Eirado, é uma sugestão de metodologia, aplicada à Psicologia,
muito pertinente no contexto da pesquisa do teatro.
Os
autores articulam a metodologia com três planos de ação: a transversalidade, a
de implicação e a de dissolução do ponto de vista do observador. As convenções
da comunidade científica foram alvo de muito debate no âmbito dos pressupostos
da objetividade no que tange a observância do conhecimento. No entanto, as
ciências humanas ao longo dos tempos têm apresentado alternativas de utilização
e aplicação dessas ciências, às vezes contrapondo-as, às vezes
complementando-as.
Os
autores propõem prensar o método cartográfico como uma possibilidade de
aplicação nas ciências humanas e sociais, em detrimento de apenas fixar-se à
crítica dos métodos e procedimentos inexoráveis da ciência pura, a esta, a
ciência positivista, há uma separação visível e grupalmente acordada, “a
neutralidade e objetividade do conhecimento, ambas garantidas pela distância
mantida entre aquele que conhece e aquilo que deve ser conhecido” (Passos e
Eirado, p. 155), no sentido de obter a eficácia dos resultados esperados nos
experimentos. Sujeito e objeto se diferem, absolutamente, emergindo uma relação
cognoscente a partir da postura de terceira pessoa. Podemos pensar nas
experimentações científicas do rato e do macaco sultão behavioristas, que nos
revelam um método imerso na concepção da pura insubordinação dos pontos de
vistas, tendo-se, pois, um e exclusão automática dos demais. Onde os olhares
acerca do objeto, verticais e/ou horizontais, se fecham nessa bilateralidade.
Entretanto, muito se tem questionado essa redoma ao qual o objeto e sua
significação/interpretação ficam refém, inviabilizando possibilidades de
significados por outros meios e pontos de vista, como afirmam Passos e Eirado
(p. 115) “coloca-se em questão o olhar de cima da ciência e a ação judicativa
de quem avalia o objeto do conhecimento com a distância da neutralidade”.
Partindo do ponto vista da neutralidade, não nos detendo e defendendo tal
postura, pensaremos aqui o teatro e suas possíveis abertura a essa metodologia.
No
contexto teatral há muito vem se debatendo o interstício na pesquisa sobre o teatro e em teatro entre teoria e prática e como esses lados se inter-relacionam
na realidade tanto artística quanto acadêmica.
O
conceito de transversalidade, proposto no texto dos autores, a óptica do objeto
e sua relação com o sujeito muda de proporção, onde a vinda de um terceiro eixo
comunicacional com a realidade pesquisada se refaz. Segundo Passos e Eirado:
“o
plano da transversalidade expressa uma dimensão da realidade que não se define
nos limites estritos de uma identidade, de uma individualidade, de uma força
(esse saber, o meu saber, o saber que o outro tem e que pode me transmitir),
mas experimenta o cruzamento das várias formas que vão se produzindo a partir
dos encontros entre os diferentes nós de uma rede de enunciação da qual emerge,
como seu efeito, um mundo que pode ser compartilhado pelos sujeitos”.( PASSOS e
EIRADO, p. 115)
A transversalidade apresenta um
direcionamento no sentido de uma experiência comunicacional agregando linhas de
pensamento ainda não vistas ao invés de suprimi-las ou até mesmo eliminá-las do
objeto ao qual se propõe a investigar. Meios suscetíveis de habitação de pontos
de vista, sem apologias e restrições conceitos dogmáticas e inquebrantáveis. O
tratamento do objeto dar-se-á por múltiplas versões de olhares interiores e
exteriores, fornecendo não apenas uma opinião hegemônica, mas possíveis
multilateralidade de significação.
No teatro o método cartográfico é
uma boa possibilidade de caminhada em busca do não possível positivista. Quais
as linhas sensoriais que um trabalho teatral pode me oferecer enquanto
pesquisador-atuante? Quais as linhas que limitam a minha relação com a obra
pesquisada? A cartografia nas Artes Cênicas pressupõe percepções e sensações
que o meio investigado desabrocha no corpo do cartógrafo, indo de encontro à
barreira sujeito/objeto.
A transversalidade cartográfica não
está ligada à descrição (Etnografia) ou medições da obra, mas sim, a busca de
sentido no lineamento de enunciações possíveis na obra. No campo do teatro uma
relação de distanciamento também é possível, comumente aplicada nas
universidades (Mestrado e Doutorado), mas o resultado nem sempre condiz com o
que foi proposto. O que está disposto à imersão na obra, na pesquisa e lançar
mão de mecanismos de apreensão do subjetivismo é, talvez, um caminho um pouco
menos angustiante, onde as ondas do que não se pode ter no plano do concreto
agem no sujeito advindo daí uma terceira perspectiva ou eixo inviável numa postura
positivista de neutralidade e distancia do sujeito em relação ao objeto. Aqui sujeito
e objeto se justapõem criando imagens, sensações que por mais, no plano do
senso-comum, esteja na abstração, a sua interferência na realidade e possíveis
modificações são reais de ocorrerem. Assim, podemos pensar a cartografia como
um meio eficaz de apreensão de uma linguagem efêmera, fugaz e condicionante à
transcendência.
REFERÊNCIAS
PASSOS,
E. EIRADO, A. Cartografia como dissolução do ponto de vista do observador.